sábado, julho 29, 2006

Carta a um amigo ferido - Arthur Dazzani

Faz tempo que não escrevo nada sobre o amor entre mim e esse meu amigo. É verdade que o tempo não tem andado a meu favor, mas isso não é desculpa. O fato é que, como esse meu amigo me ensinou, temos que olhar para dentro de nós mesmos e aceitar nossos erros e defeitos, ditos também pelos amigos sinceros, presentes, participativos, democráticos, críticos, sensíveis, sensatos, mas que sempre nos criticam para nos engrandecer, nos fazer melhor, nos tornarmos mais realistas.
Com ele, aprendi que a vida nem sempre é como a gente gostaria que ela fosse, mas do jeito que ela se apresenta pra nós. E a partir daí devemos passar a conviver melhor com ela, com o trabalho, com as companheiras, com os filhos, com os amigos, buscando conexões positivas e um sentido para pra si mesmo e para as coisas que momentaneamente temos. Mas nem por isso devemos deixar pra trás nossos sonhos. Devemos viver e transformar esses momentos em oportunidades. E realizá-los quando possível, como faz agora a sua amada filha.
Esse amigo me ensinou a verdadeira essência da amizade, que deve conter o amor e a verdade, mesmo que quanto dita possa doer bastante por dentro. Mas afinal, um amigo jamais há de querer mal ao outro e nunca criticaria para desmerecer, mas sim para trazer-lhe para a realidade e poder fazê-lo ver-se melhor e ver o que todos, menos ele, têm enxergado. Isso agrega e alimenta a amizade. Mas nem todos estão preparados para ter amigos assim, verdadeiros, sinceros. É sempre mais fácil buscar companhias que sempre lhe elogiem e que vivam te admirando. Com esse meu amigo (um presente que raramente se ganha e que raramente se encontra) pude refletir e exercitar a mudança, ainda que muitos erros possam permanecer, e que eu continue tentando. Mas ele me ensinou muito e continua a me ensinar, nas nossas longas conversas.
Esse grande amigo é o pai que todo filho gostaria de ter. Também como esposo. Doa-se para sua família, e procura viver intensamente os momentos importantes deles e para eles, e se põe ao lado antes mesmo que eles pensem em pedir-lhe auxílio. Procura, além de pai enérgico e cobrador (como assim deve ser), ser amigo de toda a sua cria, participar das suas vidas, andar de mãos dadas sempre que pode, mostrar com orgulho todos os feitos que eles alcançam: seja passar no vestibular, na OAB, ver sua filha se formar em turismo ou se orgulhar pelo simples fato de que seu filho menor conseguiu tirar a carteira de motorista. Enfim, tem orgulho de todos eles, com todo amor que um pai pode ter, mostrando a todas as pessoas à sua volta, como um troféu, qualquer pequena ou grande vitória que eles possam alcançar, elevando-os ao mais alto posto.
Falar no seu papel protetor da sua família de origem, suas irmãs, suas tias, tios, sua mãe e seus amigos antigos é redundância. Além de se preocupar, mostra-se presente em qualquer momento que possa significar risco para eles, participa ativamente de todos os seus problemas, procurando estar ao lado de todos sempre que precisam.
É uma pena que o seu pai não esteja mais vivo pra ter orgulho dele, montar quebra-cabeças juntos e poder ver os netos, crescendo e sendo donos das suas próprias vidas, sob o olhar angustiado do filho querido. Certamente meu grande amigo daria tudo que tem para tê-lo de volta, e mostrar com orgulho e jeito italiano toda a sua prole, as conquistas suas e as dela, a criação que deu a eles (e que os fez crescerem), sua carreira de sucesso, seu diploma. Enfim, tudo que nunca pôde ter e que sempre procurou dar aos filhos, mesmo que para isso tivesse que se privar de tantas coisas, como o fez inúmeras vezes.
Não há dúvidas que o velho Apolo Binda estaria orgulhoso e ao seu lado, dando-lhe conselhos, alisando-lhe a face com suas mãos enormes, apontando caminhos, servindo de ombro amigo para o choro incontido, interno, que meu amigo muitas vezes tem. Certamente lhe daria forças para encarar as mudanças que estão por vir como mais uma fase da vida, e diria que a própria vida deve seguir seu rumo natural, e que ele deve se alegrar com as mudanças, porque elas proporcionarão novas emoções e outras perspectivas futuras.
Infelizmente o tempo não volta mais. Suas intensas brincadeiras com os filhos pequenos já não podem mais se dar, mas certamente virão os netos e, com eles, a alegria e o jeito criança que todo avô dedicado e amoroso, como ele, há de ter. Infelizmente (ou felizmente) os filhos crescem e ganham vida própria, deixando um vazio dificílimo de ser preenchido, mesmo pelos amigos mais próximos. Quando menos esperava, eles escaparam pelas suas mãos, arranjaram namoradas, namorados, foram à luta, definiram objetivos próprios, foram aos poucos se afastando, naturalmente, de forma silenciosa, mas sem perder a ternura e o amor incondicional que sentem pelo meu amigo. Pelo que ele foi pros filhos, e pelo que ele há de ser, os laços e o amor entre eles só aumentarão.
Mas as longas conversas, as idas ao cinema, as reuniões tradicionalíssimas entre seu clã, os almoços e jantares onde todos estão presentes ao estilo italiano, também vão se tornando escassos. É que os filhos são assim mesmo, e vão se deixando levar pelas oportunidades. Mas certamente e de forma merecedora, seus filhos têm o dever de ser para esse meu amigo, pai, o que ele sempre foi para a sua mãe, Dona Maria, presente, preocupado, amigo, defensor e protetor eterno. É o mínimo que meu amigo merece. Não pela troca do já fez pelos filhos, mas pelo que ele ainda é, pelo caráter que tem e pelo que continua fazendo pensando neles. É porque, mais do nunca, ele precisa que os filhos olhem para ele como ele sempre os olhou.
No dia 03 de julho sua filha querida deixará mais uma vez o lar dos Binda para sair em busca do seu sonho. É o desejo dela, e assim deve ser respeitado. Ela conquistou isso de forma madura, silenciosa, decidida. Sabe o que quer e deve buscar o que deseja. E essa maturidade e firmeza de caráter, determinação, lucidez, foi mais uma contribuição do meu amigo e também da sua esposa, ajudando-a e incentivando-a a correr atrás das oportunidades que surgiam, ainda que a saudade venha a ser imensa.
Sei que mais uma vez meu amigo está orgulhoso da filha, mas dessa vez mais triste, mais introspectivo. Afinal de contas, a proximidade da aposentadoria, as saídas menos freqüentes com seu caçula, e as asas da liberdade que seu filho homem mais velho ganhou, proporcionando-lhe menos momentos de conversas confidentes, deixaram um espaço difícil de enfrentar e de ser preenchido. Ele há que ser forte e ter altivez, como teve seu pai, como meu próprio amigo sempre me disse.
Todo esse conjunto de coisas acontecendo ao mesmo tempo interfere no curso da vida de qualquer um, ainda mais na de um pai apaixonado pela filha. Apesar de parecer a mais distante, ela sempre foi o termômetro da casa. Sempre se mostrou mais madura e ponderada, e vai deixar uma saudade quase tão grande quanto a que meu amigo sente pelo seu pai. E aí o coração se mostra fraco, o homem se mostra indefeso, órfão, a ebulição das emoções faz com que seja necessário recorrer aos médicos e remédios, à esposa, aos amigos de todas as horas. Mas sabemos que a ida dessa filha querida vai deixar seu coração apertado, cada vez que acordar ou chegar do trabalho e olhar o quarto vazio em frente ao seu, e não poder vê-la contente, sorridente, assistindo seus vídeos, pensativa, sem poder beijar-lhe o rosto e dizer palavras de carinho. E a dúvida sobre o tempo de sua permanência fora de casa deixa meu amigo ainda mais corroído por dentro, vivendo uma dor intensa, acompanhada de outras dores, pois sabe que isso pode vir a acontecer.
Seja como for, a vida quis assim. E o que acontecer deve ser aceito e enfrentado.
E o que poderia eu, na minha minúscula insignificância frente aos seus entes queridos, oferecer de bom e de conforto nessa hora e durante o tempo de ausência de Paty? Ofereço a você, meu grande amigo, meu ombro, minha lealdade, meu tempo para nos dedicarmos a boas conversas. Ofereço meu amor, meu carinho, minhas palavras reconfortantes, meus conselhos, meu humor, e até minha chatice. Ou o simples fato de estar ao seu lado, só pra que você sinta que jamais estará sozinho. Se eu pudesse ofereceria a divisão da dor, da saudade, mas sabemos que essa é só sua.
Por fim, quero dizer o quanto o admiro, o amo e respeito, de forma incondicional. Com todas as suas qualidades e defeitos. E que estou aqui sempre de plantão, para enfrentarmos juntos, presentes ou distantes, tudo que há por vir. Talvez não lhe sirva de consolo, por todas as suas dores e incertezas que batem à sua porta, mas tenha sempre a absoluta certeza de que permanentemente estarei ao seu alcance, para chorar, sorrir, dividir angústias e segredos, amenizar seus medos, e pronto para atender ao seu chamado, em qualquer hora ou circunstância, quando você de mim precisar.
Que a sua tristeza, dor e saudade, suas angústias, se transformem em orgulho futuro, quando puder novamente mostrar a todos as tantas vitórias que Patrícia conquistou com mérito próprio, envaidecendo-se por isso, estando sempre ao lado dela e torcendo pelo seu sucesso. Que a ida de Paty possa lhe fazer repensar sobre a vida, aceitar o que o destino nos reserva e lhe dar mais força para seguir adiante.
Parabéns por mais essa conquista na vida dos seus filhos, e em especial na vida de Patrícia. Você merece todas as honras e estrelas que um homem de bem, um pai dedicado, um marido zeloso e um amigo fiel deve carregar no peito. E a sua vida, que será longa, saberá retribuir todos os esforços que você fez para alçar seus filhos ao posto mais alto, dando-lhes de tudo (do possível ao impossível) que você não pôde ter.
Do seu leal e fiel amigo, de todas as horas e de sempre.

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