quarta-feira, agosto 02, 2006

O acarajé no caos - Waltinho Queiroz

Estamos nos transformando numa cidade sem alma.
Assassinando as Pitangas que recendiam viçosas em cada natal baiano!
Estamos nos transformando numa cidade sem calma!
Meu Deus, aonde, aos domingos, os céus cobertos de arraias de Itapuã ao Bonfim?
E eis que dirão: “e o progresso onde fica, ó saudosista”?
Melhor que fosse traçado pela paixão e a alegria
Da capoeira de Antônio, do Vatapá de Maria!
E ai de quem se atrevesse a sujar o mar sagrado!
E ai de quem se ousasse a ferir uma jaqueira!
Crianças todas na escola...
Merenda, ciência e bola,
Realizando a utopia do Mestre Anísio Teixeira.
E quando da cor de rosa, a tarde em seu esplendor,
Anuncia aos meus olhos seu pôr-do-sol, Salvador...
Meu coração se enternece: a lua, o forte, o farol!
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E rezo contra a tormenta que sucede os ventos maus...
A ambição desmedida, o Acarajé no Caos!

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Vivemos nos iludindo: cachaça e maledicência!
Enquanto isso os Senhores da Casa Grande conspiram
Contra os últimos terreiros de São Pedro e São João.
E nem o Mágico Christoff, aquele velho sonhador,
Nem Batatinha cantando podem aplacar o temor
Do cinturão de miséria que cerca São Salvador.
No Porto da Barra o cheiro do mijo que se entranhou
Nos pejorar africanos enche a África de dor.
O trauma desses mestiços, que se envergonham da cor,
Macaqueiam sem pejo o simulacro e a mentira...
Seja do Sul Maravilha ou outro esperto “Senhor”.
Magnífica é o teu porte, oh Mangueira da Vitória!
Testemunha da história vai morrendo devagar.
E quando eu busco à tardinha minha porção de dendê,Um náufrago desses tempos, buscando sobreviver,
Meu coração se apazigua: Itaparica láááá longe!
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E rezo contra a tormenta que sucede os ventos maus...
A ambição desmedida, o Acarajé no Caos!

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Computadores não são inimigos dos meus sonhos!
Nem tombaremos tristonhos na porta de outro milênio.
Apenas choro, magoado, na cruz dessa indiferença:
O Abaeté se acabando e o povo perdendo a crença!
Quede “laranja de umbigo”? Cadê “acaçá de milho”?
Como consolar meus Velhos? E o quê dizer aos meus filhos?
Essa terra já foi farta, essa cidade foi linda:
O preto de terno branco, o Mugunzá de Benvinda!
Agora ninguém mais desponga desse bonde!
Motorneiro, quando Humberto foi pros céus... ficamos nos “Fevereiros”!
A poesia é loucura, é a arte dos delirantes...Castro Alves, Baraúna, em todos os auto-falantes!
E quando eu, de joelhos, me volto para o Bonfim,
Escuto meu Pai me dizendo: “siga o caminho... é assim”!
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E rezo contra a tormenta que sucede os ventos maus...
A ambição desmedida, o Acarajé no Caos!

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